quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Gêmeos do desenho em dose dupla na Jornight

Foto: Claudio Tavares

Gritos, assovios e muita empolgação que vinha de rostos jovens já anunciavam o clima da noite. A atmosfera da Lona Vermelha é diferente das outras tendas: a iluminação cênica incide em raios no palco, a fumaça do gelo seco torna o ambiente embaçado. E nesse cenário, aparecem os cartunistas e quadrinistas gêmeos mais ilustres do País: Paulo e Chico Caruso; Fábio Bá e Gabriel Moon, reunidos para o Encontro com os Gêmeos na segunda noite da Jornight, nesta quarta-feira, durante a 14ª Jornada Nacional de Literatura. Os primeiros recheiam as mais importantes publicações nacionais com suas caricaturas de políticos e figuras públicas, e ainda por cima são músicos. Os segundos são quadrinistas ganhadores do prêmio americano Eisner e do Prêmio Jabuti de melhor livro didático para a adaptação de “O Alienista”, de Machado de Assis.

Os irmãos Bá e Moon abriram o debate contando ao público como começaram a desenhar juntos desde a infância. E de que modo desenvolveram esse trabalho até decidirem fazer histórias para adultos, com temáticas do cotidiano que podem envolver frustrações amorosas, amizade, trabalho. “Muita gente identificava os quadrinhos apenas com histórias infantis, mesmo na faculdade de arte onde estudamos. Começamos a fazer nosso fanzine 10 Pãezinhos para provar o contrário”, contou Fábio. “Nós nos aguentamos todo dia: trabalhamos juntos, no mesmo estúdio. Mas sempre foi bom ter um irmão para falar se o desenho estava horrível ou bom. Escrever e desenhar são atos geralmente muito solitários.”

O trabalho conjunto cresceu, ganhou contornos autorais e reconhecimento mundial. “Hoje, o mercado de quadrinhos está em expansão, há interesse por parte do público e muitas editoras especializadas. Basta que os autores continuem fazendo boas histórias para manter esse interesse.” Mas Gabriel acrescentou que até hoje é difícil viver de fazer quadrinhos, apesar de o mercado de desenho e ilustrações ser muito mais amplo, possibilitando outros trabalhos que podem ser conciliados com o fazer de histórias longas, que costumam demorar meses ou anos para ficar prontas.

Se Gabriel e Fábio podem ser reconhecidos individualmente pelos cabelos e vozes diferentes, as semelhanças totais dos Caruso são desconcertantes. Eles começaram a sua apresentação dizendo juntos frases ritmadas sobre como costumam ser confundidos. “Não somos clones”, reforçaram, provocando risos na plateia. Bem humorados, também contaram sobre como começaram a desenhar juntos, com muito incentivo da família. Mas diferentemente dos gêmeos Fabio e Gabriel, sua carreira ficou mais concentrada em ilustrações, e coletâneas no caso de Paulo, ao invés de longas histórias em quadrinhos. Paulo disse que levou dez anos para conseguir publicar uma graphic novel que escreveu na juventude – depois disso, acabou voltando a trabalhar para a imprensa. “Eu sempre fui preguiçoso para desenhar longas histórias em quadrinhos”, brincou Chico. Paulo mostrou alguns de seus desenhos, que estão expostos no Centro de Eventos, junto aos de Aroeira.

Depois de uma rodada de perguntas do público, os irmãos Caruso mostraram toda a sua versatilidade artística com o Conjunto Nacional – a banda que também tem o cartunista Aroeira no saxofone. Com uma base jazzística, eles apresentaram números impagáveis, fazendo caricaturas musicais de políticos – assim como no papel. Pode ser um pente para representar o bigode do Sarney, uma imitação perfeita da voz de Lula ou um rap engraçadíssimo para falar sobre Kadafi.


O novo trio de mediadores de debates



Agora o time de mediadores e coordenadores de debates das Jornadas Literárias está completo ! Nesta edição da Jornada, o duo de Ignácio de Loyola Brandão e Alcione Araújo virou um trio: a jornalista e escritora Luciana Savaget juntou-se ao time. “Estou achando o máximo, é um desafio muito grande”, entusiasma-se. “Sou admiradora do trabalho do Ignácio e Loyola, e outros grandes escritores participam dos debates.” Ela se preparou: a primeira atitude foi ler os livros de todos os autores que participam das discussões. “Eu estava em outra vertente de literatura, e nessa preparação para a Jornada me voltei novamente para os autores nacionais. A Jornada é sempre uma renovação.”

Luciana já participou da 12ª Jornada como autora, e no ano passado, retornou à cidade para conversar sobre os seus livros com alunos e professores. “Foi fantástico”, lembra. “A Jornada é um dos mais importantes eventos literários do nosso país, que realmente valoriza e trata com respeito a literatura.”

Gonçalo Tavares usa histórias e personagens para ilustrar suas falas em debate da Jornada

Foto: Tiago Lermen

As alegorias e metáforas rechearam o debate “Identidade, literatura e cultura na globalização”, que teve início às 14 horas de hoje, na 14ª Jornada Nacional de Literatura.

O premiado escritor português Gonçalo M. Tavares deu a partida – aliás, tamanho o número de prêmios que ele já recebeu que a lista levou minutos para ser lida na apresentação. Usando a imagem de uma maça, Gonçalo falou sobre a sua visão sobre os conceitos de globalização e identidade. A fruta era usada na tradição cigana quando havia duas carroças em trajeto: a primeira deixava uma maça na esquina para indicar a direção que havia seguido. Por outro lado, a fruta também sinalizava o tempo que fazia que a primeira carroça passara por lá, através de seu estado de conservação. “A carroça é como cada geração, que deve deixar a maçã como sinal para as gerações futuras”, falou. Sobre a identidade literária, ele considera um dever de qualquer escritor saber identificar os sinais da geração anterior.

Na mesma linha, ele contou um trecho da história do livro “Cabeças Trocadas”, de Thomas Mann, para ilustrar o seu conceito de globalização. “Ela também é um acidente de cabeças trocadas, criando objetos com cabeça brasileira e corpo americano. A certa altura, não sabemos de quem são nossos filhos”, disse, referindo-se à história de Mann, em que a mulher do personagem já não consegue decidir se atribui a paternidade de seu filho a quem tem a cabeça ou o corpo do marido.

Finalmente, Gonçalo recorreu a uma última personagem criada por um escritor alemão: uma vesga que na quarta-feira olha para os dois domingos, o anterior e o próximo. “Para mim, a identidade mais estimulante seria um vesgo que na quarta-feira olha para os dois domingos e transporta uma maça para deixar de sinal à geração seguinte. É assim que eu gostaria de fazer.”

“O computador é um sugador”, diz Gonçalo Tavares

Foto: Guilherme Benck

O premiado escritor português Gonçalo Tavares, elogiado até por Saramago, falou sobre o processo de criação de suas obras durante a coletiva de imprensa. Ele deu detalhes sobre o livro “Uma viagem à Índia” e falou do respeito ao leitor.

Falando sobre o processo de criação, Tavares afirmou que tenta concentrar-se ao máximo. "Às vezes levo quatro horas para escrever 15 páginas e um mês para transformar essas 15 páginas em quatro. É preciso muito tempo para fazer as coisas curtas". Para ele, o respeito ao leitor deve nortear o trabalho. "Se posso dizer a mensagem em sete palavras, por que dizer em 10? Quando explicamos muito, nada fica para o leitor, que também é um emissor e precisa de espaço."

Sobre a relação que tem com a internet, o computador na hora de escrever, foi enfático: "O computador é um sugador, ele nos apira. A internet é um exemplo de não concentração. Isso não é para mim potencialmente criativo".

O texto final de uma obra só acontece depois de 3 a 4 anos após tê-la escrito. "Escrevo, esqueço do livro e após alguns anos olho para ele criticamente, com o olhar do leitor." Lembrou que "Uma viagem à Índia" foi escrito em 2003 e publicado em 2010.

A vez e a voz dos jovens. Agora eles têm a Jornight


Palmas, os assobios, risadas e muito entusiasmo foram freqüentes entre os 1500 jovens, entre 15 e 25 anos, que participaram da grande novidade desta edição: a Jornight. Elisa Lucinda fez a abertura com o espetáculo pocket (versão menor da peça) “Parem de falar mal da rotina”, revendo um conceito muito gasto e difundido do senso comum de que a rotina é vilã. Ela mostrou que precisamos lembrar que a rotina é fruto das nossas escolhas, uma decisão nossa, particular. “Cada um é roteirista da própria história”. Nesta quarta, a partir das 19h30, quem fala na Jornada são os gêmeos quadrinistas Gabriel Ba e Fábio Moon e os desenhistas de humor, músicos e atores Paulo e Chico Caruso.

Muitas possibilidades criativas e interativas para a literatura eletrônica



Na tela de computador, a linguagem desbrava outras fronteiras estéticas, podendo estar integrada a imagens, vídeos e passível de interação, abrindo um leque de inúmeras possibilidades criativas -- e interativas. Na conferência “Literatura e imaginário no século XXI”, parte da programação do 10º Seminário Internacional de Pesquisa em Leitura e Patrimônio Cultural, da 14ª Jornada Nacional de Literatura, o professor do Massachusetts Institute of Technology (MIT), crítico e autor de ficção interativa Nick Montfort discorreu sobre o assunto e apresentou uma série de trabalhos eletrônicos.

O professor e pesquisador da área de Letras da Universidade de Passo Fundo Miguel Rettenmaier apresentou Montfort, destacando como os livros do autor tiveram impacto quando chegaram à comunidade acadêmica da UPF. Então, Nick conversou com o público, colocando ênfase na mostra dos trabalhos eletrônicos. No começo, ele destacou a obra com códigos que mudam da artista digital brasileira Giselle Beiguelman, que participou do debate principal de ontem da 14ª Jornada.

Falou também sobre o seu trabalho na Electronic Literature Organization. “Nosso objetivo é compartilhar a literatura eletrônica com o público e trabalhar formas que vão além do que ocorre nos ebooks”, explicou. “A literatura eletrônica não quer criar um mercado, mas encontrar formas de compartilhar os trabalhos.” A Electronic Literature Organization compilou, inclusive, a primeira antologia de criações desse segmento, disponível em collection.eliterature.org. Geralmente, os autores desse tipo de literatura concordam em disponibilizar o seu trabalho gratuitamente através das redes para indivíduos e instituições sem fins lucrativos.

Na literatura eletrônica, elementos como a música, fotos ou vídeos podem ser combinados às palavras de modo a integrarem-se, criando novos formatos eletrônicos. Nick desenvolveu um programa gerador de poemas e textos, com o qual o leitor interage – todo o seu trabalho está disponível em nickm.com. Dependendo do o leitor escrever ou falar, a história terá novas formas. Em um deles, por exemplo, é possível dar comando às palavras: quando se escreve para ligar as luzes, um tipo de texto vai aparecer, ou para as letras acordarem, um outro. No fim, o ato de ler esses textos é uma experiência, na qual o leitor interfere. “Nos geradores de textos, trabalho com texturas de linguagem, não há textos excelentes, o que vale é a experiência de ler para ter um encontro diferente com a linguagem. Mas se a pessoa espera uma constelação de palavras, a perfeição da linguagem, pode ficar decepcionada.”

Em outro exemplo, ele mostrou um poema que criou em um passeio por um parque de Twain: ele tentou traduzir através da linguagem visual o que via no parque: as linhas que acabam com um travessão, por exemplo, correspondem aos túneis que ele via no parque. E chegou a ler com o intérprete da palestra – em inglês e português -- um outro trabalho inspirado no movimento Fluxus de Yoko Ono, com a palavra sim como centro para textos que se criam.

Entre as inspirações para o trabalho de literatura eletrônica e interativa, ele cita as obras do Concretismo dos irmãos Augusto e Haroldo de Campos. A literatura eletrônica, porém, é mais uma possibilidade – e não concorre de forma alguma com o livro impresso. “Ela representa um espaço para a literatura na rede. Nos comunicamos de maneira diferente, a rede permite outras possibilidades, mas leio muitos livros impressos e sou fascinado por sua forma material”, disse. “Até o computador é um tipo de livro: ele abre e fecha da mesma maneira.”

A Jornada de Josué


O ano em que Josué Guimarães completaria 90 anos de dedicação à literatura é também o ano em que uma de suas expressões de incentivo à leitura, a própria Jornada Nacional de Literatura, comemora três décadas. Para marcar essas datas e prestar homenagem a um dos idealizadores da Jornada junto com a professora Tania Rösing, uma série de atividades está sendo realizada no Campus I da Universidade de Passo Fundo (UPF). Entre elas está uma representação do próprio escritor em tamanho real, que permite aos fãs posarem para fotos junto dele.

Os familiares que vieram a Passo Fundo para a homenagem ao escritor também resolveram registrar o momento ao lado da foto de Josué. Os filhos Rodrigo Guimarães e Adriana Machado Guimarães, além da neta de Josué, foram flagrados pelo professor Nino Machado. A foto é um registro e mesmo um marco que permitiu a aproximação das três gerações, mesmo que apenas na imaginação de todos.

Para saber mais sobre o trabalho de Josué Guimarães, vale consultar o site recém-lançado: http://www.upf.br/aljog. A página reúne informações sobre a sua obra e a sua vida, bem como assistir o trailer e saber mais sobre o documentário “A Jornada de Josué”. Há ainda depoimentos de outros escritores sobre Josué e até a mostra de seu processo criativo com fac-símiles de manuscritos.